quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Filósofos da Libertação Animal: Peter Singer

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O filósofo australiano Peter Albert David Singer é um dos personagens mais conhecidos e ao mesmo tempo polêmicos dentro do movimento de defesa dos animais. Filho de judeus sobreviventes do Holocausto, Singer está hoje entre os dez intelectuais mais influentes da Austrália, de acordo com votação realizada neste país. Formou-se em filosofia e história na Universidade de Melbourne (Austrália) e filosofia moral na Universidade de Oxford (Reino Unido). Atualmente é Professor de Bioética na cadeira Ira W. DeCamp na Universidade de Princeton (EUA), e professor laureado no Centro de Filosofia Aplicada e Ética Pública (CAPPE) da Universidade de Melbourne. É especializado em ética aplicada e procura resolver questões morais através da escola de pensamento utilitarista. Seus trabalhos são influenciados pelos filósofos Jeremy Bentham (1748-1832), John Stuart Mill (1806-1873) e, principalmente, por Richard Hare (1919-2002). Geralmente se aceita que Singer é um utilitarista de preferência, isto é, que considera como moralmente corretas as ações que produzem as consequências mais favoráveis às preferências dos seres envolvidos, ainda que em várias ocasiões ele expresse opiniões de utilitarismo de ação (ações corretas são aquelas que trazem felicidade para o maior número de pessoas), e utilitarismo de regra (ações corretas são aquelas que atendem regras gerais que conduzem ao melhor bem), que é o tipo de utilitarismo que ele defende com relação a animais não-humanos.

Peter Singer é muitas vezes considerado o precursor do movimento de libertação animal, ou o "pai do movimento de direitos animais." Ironicamente, Singer não reconhece direitos animais em seus trabalhos. Essa fama, entretanto, se deve à popularidade de seu livro Animal Liberation (Libertação Animal) publicado em 1973, no qual ele propõe o princípio de igualdade de consideração, às vezes confundido com um direito. Tal livro é, de fato, um marco no movimento de defesa dos animais, ao difundir entre o público leigo as diferentes atrocidades que animais não-humanos sofrem de forma institucionalizada nas mãos dos humanos, e propor uma mudança de atitudes em relação a isso. Por outro lado, Singer não vê motivos para animais serem considerados sujeitos de direito. É neste ponto que nasce a polêmica em torno de Singer, pois o mesmo pensamento também vale para certos humanos, como bebês, portadores de deficiência e comatosos, motivo pelo qual Singer tem sido acusado de eugenista por grupos de defesa de direitos humanos. De fato, teoria de direitos animais ou direitos humanos jamais foi considerada em suas obras, por ser incompatível com a visão utilitarista. Ainda assim, na prática Singer não parece ser um crítico da teoria de direitos de Regan ou Francione. Por exemplo, comentando sobre o livro The Case For Animal Rights, de Tom Regan, Singer afirmou ser: "...uma contribuição impressionante sobre o que está rapidamente se tornando uma das questões éticas mais importantes da atualidade."

Singer considera, assim como Jeremy Bentham, que o fundamental em filosofia moral não está em determinar se um ser tem a capacidade de raciocinar ou falar, mas simplesmente a capacidade de sofrer. Assim, a capacidade de sentir dor é condição suficiente para que um ser seja levado em consideração em questões morais. Nesses termos, desconsiderar alguns animais apenas por causa de sua espécie é uma forma de discriminação, conhecida como especismo (termo cunhado em 1970 pelo psicólogo e filósofo britânico Richard D. Ryder). Singer está preocupado sobretudo com a redução do sofrimento dos animais. Essa preocupação também é compartilhada por aqueles que defendem direitos. Por outro lado, a linha de pensamento de Singer em outros pontos certamente não coaduna com o pensamento de um defensor de direitos animais e/ou direitos humanos. Como forma de manter sua coerência na linha de raciocínio utilitarista, Singer não vê problemas éticos na exploração animal, desde que os animais envolvidos não sofram ou, mesmo que sofram, se o benefício resultante dessa exploração for significativo. Isso serve especialmente para animais não-humanos que, segundo Singer, não teriam um interesse em ter uma vida continuada (como os humanos têm). Porém, isso também serve para humanos que, supostamente, não possuem interesse em vida continuada, como recém-nascidos, idosos com doenças mentais degenerativas, comatosos e pessoas consideradas portadoras de deficiências graves. Em tais casos, seria correto utilizar tais pessoas em experiências científicas, se o bem resultante disso fosse significativo para a maioria (utilitarismo de ação), ou se melhor atendesse a preferência de outros seres envolvidos (utilitarismo de preferência). Se há um motivo suficientemente bom (ironicamente, para os pesquisadores biomédicos sempre há), torturar ou matar um animal não seria eticamente errado. De fato, Singer já afirmou que não há nada de moralmente errado em comer carne, desde que o animal seja tratado de forma "humanitária." Também já expôs, em seu livro Heavy Petting, que não vê problemas éticos na bestialidade (relação sexual entre um humano e um não-humano) se não houver sofrimento envolvido. Seu pensamento polêmico também está no seu apoio à vivissecção de primatas para pesquisa neurológica, e infanticídio seletivo para bebês portadores de deficiência, tais como portadores de síndrome de Down, conforme proposto em seus livros Should the Baby Live? (1985) e Rethinking Life and Death (1994). Ao contrário desses posicionamentos, um defensor de direitos diria que estes seres não devem ser explorados em nenhuma hipótese, pois os interesses resultantes de sua natureza como seres sencientes lhe conferem um direito que serve como uma barreira contra as arbitrariedades que poderiam ser impostas em benefício de outros.

Singer se proclama um "vegano flexível," que não compra produtos de origem animal quando vai ao supermercado, mas que se permite consumir tais produtos quando lhe oferecem durante suas viagens. Por atitudes como esta, a figura popular e ao mesmo tempo provocadora de Singer se tornou, em relação aos animais não-humanos, o epítomo do chamado movimento bem-estarista, que busca melhores condições de vida e tratamento a animais não-humanos, mas rejeita a abolição da exploração animal. Esse modo de pensar começa a ser desafiado pelo movimento de direitos animais iniciado pelos filósofos Tom Regan e Gary Francione.

Notas:
  • Os dados biográficos foram obtidos da Britannica Online Encyclopedia e da Wikipédia.
  • O resultado da votação das maiores personalidades australianas consta no jornal The Australian, de 4 de outubro de 2006.
  • A frase de Singer sobre o livro The Case For Animal Rights foi publicada no The Quarterly Review of Biology, volume 59, pp. 306, setembro de 1984.
  • Alguns dos protestos sofridos por Singer por grupos de defesa de direitos humanos são citados em Oliver Tomein: Wann ist der Mensch ein Mensch? Ethik auf Abwegen. Munich/Vienna 1993, pp. 57-76. Uma tradução para o inglês pode ser vista no artigo The Case of Peter Singer.
  • A opinião de Singer sobre o consumo de "carne feliz" foi obtida de uma entrevista sua dada ao jornal argentino Clarín, pp. 12, de 31 de dezembro de 2005.
  • Singer se auto-intitula um "vegano flexível" em uma entrevista concedida à revista Mother Jones de maio de 2006. Nessa entrevista, Singer também diz que há sempre um "pouquinho de espaço de indulgência em nossas vidas," quando se refere a abrir exceções para comer carne em restaurantes luxuosos.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Filósofos da Libertação Animal: Gary Francione

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Gary Lawrence Francione é Professor Emérito de Direito e Nicholas deB. Katzenbach Scholar em Direito e Filosofia na Universidade Rutgers, em Newark (New Jersey, EUA). Possui bacharelado em filosofia pela Universidade Rochester, onde obteve a bolsa de estudos Phi Beta Kappa O'Hearn para realizar pós-graduação na Grã-Bretanha. Realizou seu mestrado em filosofia e doutorado em direito na Universidade da Virgínia (EUA). Após trabalhar como secretário jurídico na Quinta Vara da Corte de Apelação e Supremo Tribunal dos Estados Unidos, e como consultor nos escritórios jurídicos Cravath, Swaine & Moore, Boies, Schiller & Flexner, e Lowenstein Sandler, Francione lecionou na Escola de Direito da Universidade da Pensilvânia a partir de 1984. Em 1987 fez parte do quadro permanente de funcionários nesta universidade e então começou a lecionar na Universidade Rutgers a partir de 1989. Na foto ao lado, Francione aparece com seus cachorros Mollie e Katie, adotados de um abrigo.

Francione é um dos mais proeminentes filósofos sobre direitos animais e teoria moral, e é o proponente da mais radical e consistente teoria de direitos animais atualmente, conhecida como teoria abolicionista, cuja base moral é o veganismo (estilo de vida no qual se evita o consumo de produtos de origem animal e práticas associadas à exploração animal). Ele é conhecido por ter cunhado o termo "esquizofrenia moral" para se referir ao modo como a maioria dos humanos se relaciona com os não-humanos: Embora todos afirmem adotar o princípio de que sofrimento desnecessário é errado, na prática todo o uso que é feito dos animais não pode ser defendido como necessário em nenhum sentido plausível. Francione é também conhecido por ser um dos maiores críticos das leis de regulamentação de bem-estar animal e do status de propriedade que essa legislação confere aos animais não-humanos. Para Francione, as leis que regulamentam essa exploração não estão interessadas na abolição da exploração animal, mas apenas reafirmam essa exploração e tornam-na mais competitiva economicamente, como mostram as estatísticas de aumento de produção e consumo de produtos de origem animal no mundo em 200 anos de existência de legislação de bem-estar animal. Essa posição vai de encontro ao pensamento de outros filósofos (como Peter Singer, David Favre, Cass Sunstein e Bernard Rollin) que acreditam que tais leis são pequenos avanços que poderão futuramente levar à abolição da exploração institucionalizada de animais não-humanos, ou que consideram como admissível uma condição de exploração com sofrimento "mínimo" aos animais. Diferente de Singer, Francione diz que não há qualquer justificação moral para a exploração animal, mesmo que isso traga benefícios aos humanos. Francione também pensa diferente do filósofo Tom Regan, que tem ideias mais próximas das suas. A teoria de Francione se aplica a todos os seres sencientes (isso inclui todos os mamíferos, animais dotados de sistema nervoso central e até mesmo insetos), enquanto a de Tom Regan se aplica apenas a animais que possuem habilidades cognitivas sofisticadas, como mamíferos, aves e, possivelmente, peixes.

Francione também questiona a falta de ideais claros no atual movimento de libertação animal, o que pode ser percebido nas formas de ação utilizadas por diferentes grupos de defesa de direitos animais, como o uso de violência à propriedade (e.g. praticados por membros da ALF - Animal Liberation Front), uso de propagandas sexistas (como as veiculadas pela PETA - People for the Ethical Treatment of Animals), concessão de prêmios e menções honrosas a exploradores de animais e, contrastando com essas ações, a indulgência entre os próprios membros desses grupos em relação ao consumo de produtos de origem animal tais como leite e seus derivados (produtos cujo sofrimento associado é maior do que o decorrente da carne obtida de gado de corte, segundo Francione).

O professor Francione tem lecionado direitos animais e legislação por mais de 20 anos, e foi o primeiro acadêmico a lecionar teoria de direitos animais em uma faculdade de direito nos Estados Unidos. Também já lecionou esse tópico em outros lugares dos Estados Unidos, no Canadá, na Europa, e foi professor convidado da Universidad Complutense de Madrid. De 1990 a 2000, Francione e a Professora Adjunta Anna Charlton conduziram o escritório advocatício Rutgers Animal Rights Law Clinic, fazendo da universidade Rutgers a primeira nos Estados Unidos a ter no currículo acadêmico regular um curso de legislação de direitos animais, e conceder créditos acadêmicos aos estudantes por trabalhar no escritório em casos reais envolvendo a questão animal. Na representação desses casos, nenhum honorário foi cobrado. Atualmente, Francione e Charlton lecionam um curso sobre direitos humanos e direitos animais, e um seminário sobre legislação e teoria de direitos animais.

Francione é um pacifista, e se inspira no pensamento de Mahatma Gandhi e nos princípios jainistas para conduzir uma mudança na sociedade através da desobediência civil não-violenta, e principalmente através da educação vegana. Curiosamente, embora seja um professor de direito, Francione acredita que a mudança deve começar individualmente, através da adoção de um estilo de vida vegano, e não unicamente através da mudança da legislação.

Entre suas obras, destacamos os livros que temos a nosso dispor no grupo de estudos: Animals as Persons: Essays on the Abolition of Animal Exploitation (Columbia University Press, 2008); Introduction to Animal Rights: Your Child or the Dog? (Temple University Press, 2000); Animals, Property, and the Law (Temple University Press, 1995) e Rain Without Thunder: The Ideology of the Animal Rights Movement (Temple University Press, 1996).

Notas:

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Filósofos da Libertação Animal: Bernard Rollin

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Em uma série de posts dedicados ao nosso primeiro encontro, vamos apresentar alguns dos principais filósofos relacionados ao movimento de libertação animal: o que eles pensam e quais são seus principais trabalhos. Para esse estudo escolhemos Bernard Rollin, Gary Francione, Peter Singer e Tom Regan. Essa relação não está completa e corresponde apenas aos autores cujas obras estão na nossa lista de referências. Eis o post sobre o Dr. Bernard Rollin.

Bernard E. Rollin é Professor Emérito de Filosofia, Ciências Biomédicas, Bioética e Ciências Animais da Universidade Estadual do Colorado (Fort Collins, EUA). É ativista pelos direitos animais desde a década de 1970, quando teve conhecimento das atrocidades que os animais não-humanos sofrem em pesquisa biomédica e no ensino. Entre 14 livros e mais de 300 artigos publicados, é autor do livro Animal Rights & Human Morality (1981). No grupo de estudos temos a 3a edição, de 2006.

Rollin faz uma análise filosófica rigorosa, partindo de uma extensão da ética de Kant e do uso do conceito de telos, de Aristóteles, para mostrar que animais não-humanos são sujeitos de direito. Neste caso, é a natureza do telos, e não a razão ou capacidade de cognição, que insere os animais não-humanos na nossa esfera de consideração moral. Dependendo do telos de cada ser, o interesse será diferente (e.g., interesse em vida continuada, interesse em não sentir dor). Mas, em todos os casos, o fato de possuir um interesse já é suficiente para fazer parte de uma comunidade moral.

A princípio, o pensamento de Rollin parece ser semelhante ao de Regan e Francione - os mais importantes defensores da abolição da exploração animal - embora seja muito menos conhecido do que estes. O discurso de Rollin é a favor da abolição de toda forma de exploração animal, seja para alimentação, vestuário, esporte, entretenimento ou pesquisa científica. Por outro lado, historicamente ele tem participado da elaboração de leis de regulamentação de exploração animal, chamadas de "leis de bem-estar animal." Ele foi, por exemplo, o principal articulador das mudanças na lei federal estadunidense Animal Welfare Act em 1985. Recentemente, leis como essa começaram a ser criticadas por defensores de direitos animais, notadamente pelo professor Gary Francione, pelo fato de tornarem a exploração mais eficiente aos exploradores, ainda que aparentemente sugiram um melhoramento nas condições de tratamento dos animais explorados. Rollin afirma que críticas como essas são apenas "bobagens de radicais" e que Francione quer adotar a política do "quanto pior, melhor." O professor Rollin também é tão otimista quanto o filósofo Peter Singer ao acreditar nos avanços obtidos nas últimas décadas pela legislação bem-estarista. Talvez por essas posições antagônicas, Rollin não tenha conquistado um espaço de destaque tão grande quanto Regan, Francione e o próprio Singer. A filosofia de Rollin é nitidamente radical ao reconhecer animais não-humanos como sujeitos de direito, mas na prática as concessões que ele faz às leis bem-estaristas, e sua omissão quanto à prática do ativismo vegano (para evitar confrontos e não parecer tão radical), passam uma ideia de inconsistência de ações.

Algumas curiosidades: Rollin já realizou mais de 1000 palestras sobre direitos animais ao redor do mundo. Ele também é motociclista e foi co-autor de um livro sobre a relação entre a Harley-Davidson e a filosofia (sim, isso existe!). Ele também é levantador de peso em nível de competição e cavaleiro (ele disse não ver nenhum conflito moral no fato de ter cavalos para montaria).

Notas:
  • A biografia de Rollin foi obtida do seu perfil online da Universidade Estadual do Colorado.
  • As opiniões de Rollin sobre Gary Francione e sobre seu uso de cavalos para montaria foram obtidas através de comunicação pessoal.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Quem somos

O grupo de estudos de direitos animais da Unicamp é formado por alunos, ex-alunos e funcionários da Unicamp interessados em discutir o tema direitos animais na universidade. O grupo não possui nenhum vínculo institucional com a Unicamp e é aberto ao público. O objetivo é discutir direitos animais com base nos trabalhos de filósofos como Bernard Rollin, Gary Francione, Peter SingerSônia Felipe, Tom Regan, entre outros(as), e contribuir para uma mudança de paradigma na sociedade ao incluir os animais na nossa esfera de consideração moral. Entre os tópicos abordados, os principais são os seguintes:
  • Teoria moral aplicada a animais não-humanos: fundamentação baseada em linguagem, racionalidade e interesses; relação entre direitos humanos e direitos animais.
  • Direitos animais e direitos legais.
  • Conceito e implicações do movimento bem-estarista: a visão utilitarista e o princípio de igual consideração.
  • Conceito e implicações do movimento abolicionista: a visão deontológica e os animais como sujeitos de direito; animais e o status de propriedade; 
  • Relação com outros movimentos sociais libertários: ecofeminismo e anarquismo.
  • Direitos animais e literatura.
Durante as reuniões, também discutimos temas práticos relacionados a direitos animais, tais como aspectos éticos da experimentação animal, relação entre exploração animal e impacto ambiental, uso de animais para entretenimento e ativismo vegano.

Para participar dos estudos não é necessário ser vegetariano ou ter conhecimento prévio sobre direitos animais. Todos são bem-vindos!

Atualmente o grupo é coordenado por Harlen Batagelo, pesquisador do CMCC/UFABC, ex-pesquisador da FEEC/Unicamp e participante do coletivo vegunicamp.

Para entrar em contato com o coordenador, envie um e-mail para gdaunicamp@gmail.com.